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Castração canina: existe outra alternativa?

Juntamente com uma socialização positiva, exercício físico e alimentação apropriada, a castração é frequentemente considerada como um dos “mandamentos” da posse responsável de cães.

Além da prevenção de acasalamentos indesejados, a castração pode ser benéfica na prevenção de doenças específicas associadas à testosterona e pode ajudar no manejo de algumas questões comportamentais.

Embora existam razões válidas para a castração, uma pesquisa recente revelou que 25% dos tutores de animais de estimação se mostram preocupados ou muito preocupados com a possibilidade de a castração ser prejudicial para o seu cão1. Entre as preocupações mais comuns, foram citados os potenciais riscos envolvidos num procedimento cirúrgico e o receio de que este tenha repercussões negativas no comportamento dos seus cães. O caráter irreversível da cirurgia foi ainda o motivo apontado por 67% dos tutores de cães machos para não optarem pela castração cirúrgica2.

 

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Nesse contexto, Suprelorin® surge como uma opção, sendo um implante subcutâneo indicado para a indução da infertilidade temporária em cães machos saudáveis, não castrados, e com maturidade dos órgãos sexuais. O produto permite aos médicos veterinários e os tutores dos animais, dispor de uma alternativa à castração cirúrgica, conferindo os benefícios da esterilização sem o seu carácter definitivo. Isto pode ser útil em situações em que os tutores desejem "fazer uma experiência prévia" para avaliar como o seu cão se comportaria uma vez castrado, ou no caso de pretenderem apenas um efeito temporário. Este artigo descreve sucintamente a fisiologia reprodutiva normal do cão, o mecanismo de ação do Suprelorin® e os efeitos clínicos do implante.

Fisiologia reprodutiva normal dos cães machos

A produção dos espermatozoides nos testículos, depende muito do principal hormônio sexual masculino, a testosterona. A produção deste hormônio é estimulada a partir das gonadotrofinas, o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH), que são secretados pela hipófise anterior em resposta à produção do hormônio libertador de gonadotrofinas (GnRH), a partir do hipotálamo. Nos testículos, o LH liga-se aos receptores das células de Leydig e estimula a síntese e secreção da testosterona. Além dos seus efeitos sistêmicos, a testosterona também atua localmente em conjunto com o FSH para favorecer a espermatogênese através da estimulação das células de Sertoli nos testículos. Existe um sistema integrado de feedback negativo para o controle da secreção hormonal. A testosterona e os seus metabólitos - estradiol e dihidrotestosterona – apresentam um feedback negativo ao nível do hipotálamo e da hipófise. Isto contribui para a regulação da libertação do GnRH e, portanto, para a regulação das gonadotrofinas, LH e FSH.

Os níveis de testosterona em cães machos adultos, não castrados, situam-se em média entre os 2-4 ng/ml, sendo que estes valores podem variar significativamente, até mesmo num período de 24 horas3. Contudo, apesar desta variação, os cães férteis com libido normal raramente apresentam concentrações de testosterona inferiores a 0,4 ng/ml. Quando os níveis de testosterona atingem valores <0,4ng/ml, ocorre a infertilidade devido à redução da espermatogênese, ao volume ejaculatório reduzido, à menor motilidade do esperma, ao aumento de anomalias espermáticas e à diminuição

O implante Suprelorin® e o seu mecanismo de ação

Suprelorin® tem como substância ativa a deslorelina e apresenta-se sob a forma de um implante biocompatível em matriz lipídica de liberação lenta. A deslorelina é um superagonista do GnRH, criado pela modificação da sequência de aminoácidos da GnRH endógeno nas posições 6 e 9. O resultado é um composto com ação idêntica à do GnRH, mas com uma afinidade de ligação ao receptor de GnRH que é 7 vezes maior, bem como uma maior estabilidade e potência4. Embora sendo mais estáveis comparativamente ao GnRH endógeno, os análogos do GnRH são rapidamente absorvidos e eliminados após a administração por via parenteral, mas a matriz lipídica do implante permite a libertação contínua de deslorelina ao longo do tempo.

O efeito do GnRH nas células alvo é mediado através da ligação aos receptores específicos do GnRH (GnRH-R) localizados no lobo anterior da hipófise. Sob a libertação pulsátil normal da GnRH, o GnRH-R ativa mensageiros secundários que são responsáveis pela produção de FSH e LH. No entanto, sob o efeito de estimulação contínua que decorre do implante de deslorelina, é ativada uma complexa rede de vias de transdução de sinal envolvidas na expressão genética. Isso resulta numa inibição da codificação do mRNA e diminuição das concentrações circulantes de gonadotrofinas.

Conhecer o mecanismo da produção de gonadotrofina e testosterona, e o efeito de estimulação permanente do GnRH-R em oposição à estimulação ocasional através da libertação pulsátil de GnRH endógeno, permite uma compreensão acerca do que se pode esperar após a aplicação do implante. Numa fase inicial, ocorre um aumento da testosterona plasmática à medida que a deslorelina libertada pelo implante se liga ao GnRH-R e estimula a produção de LH, de FSH e, consequentemente, de testosterona. Este efeito de intensificação é transitório e os níveis de testosterona diminuem depois rapidamente para <0,4 ng/ml sob a ação de secreção contínua da deslorelina e consequente regulação decrescente do GnRH-R. Isto ocorre normalmente numa janela temporal de 9 a 20 dias. Assim que os níveis de testosterona atinjam os 0,4 ng/ml, serão necessárias mais 3 a 4 semanas até se observar uma ausência total de produção de espermatozoides. Por conseguinte, a infertilidade é obtida a partir das 6 semanas com o implante de 4,7 mg, pelo que os cães tratados devem ser mantidos afastados das fêmeas em período fértil neste período de tempo. Estudos clínicos demonstraram a manutenção dos níveis de testosterona <0,4ng/ml durante pelo menos 6 meses após o implante de 4,7 mg5


Efeitos Clínicos

Conforme esperado, a diminuição dos níveis de testosterona dá origem a uma redução do volume de sêmen, da produção de espermatozoides e da motilidade, além de um aumento das anomalias espermáticas. Verifica-se também uma diminuição da libido, embora seja importante salientar que a supressão da testosterona nem sempre leva a uma total ausência do comportamento de acasalamento. Um estudo retrospectivo realizado em cães esterilizados, machos e fêmeas, demonstrou que 27,3% continuavam a apresentar impulso sexual após a cirurgia6 e o mesmo será esperado no caso dos cães que recebam o implante. Durante o curso do tratamento, verifica-se, na grande maioria dos cães, uma redução reversível do volume testicular devido à atrofia, que por sua vez pode constituir um marcador externo útil relativo à ação do implante. 


Reversibilidade

Nos ensaios clínicos, mais de 80% dos cães que receberam o implante de Suprelorin® voltaram a apresentar os níveis normais de testosterona plasmática (≥0.4ng/ml) no período de 12 meses após a implantação, e 98% no período de 18 meses. Uma vez normalizados os níveis de testosterona, a fertilidade não é instantaneamente readquirida, dado que, nos cães, o processo completo da espermatogênese demora geralmente 7 a 9 semanas. Após a recuperação, retoma-se a atividade funcional dos túbulos seminíferos, dos ductos epidídimos e do tecido prostático.

Referências
1. Mo Gannon & Associates (2017) Do you think neutering is harmful for dogs? MG&A.
2. Harris interactive (2017). Understanding the usages & attitudes around cats & dogs sterilization and evaluating the potential of Suprelorin.
3. DePalatis L. et al. Plasma concentrations of testosterone and LH in the male dog. Journal of Reproduction and Fertility 1978;52:201-207
4. Padula A.M. GnRH analogues – agonists and antagonists. Animal Reproduction Science 2005;88  (1-2):115-126.
5. Trigg T. E. (2002) Trial report PT14: Suprelorin clinical study report.
6. Spain C, Scarlett J. and Houpt K. Long-term risks and benefits of early-age gonadectomy in dogs.
Journal of the American Veterinary Medical Association 2004;224:380-387.

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